05 maio 2023
Gestão de Recursos e PLD/FTP
Autoria: Zela
Categorias: Artigos e Publicações, Guias e Diretivas, Marcos Regulatórios, Noticias e destaques, Sem categoria, Zela na mídia, Abordagem Baseada no Risco, KYC, KYP e KYE, Prevenção à Lavagem de Dinheiro, Mercado de Capitais
Na era pós pandemia, as economias globais vêm lidando com crises e desafios. Em resposta, bancos centrais e diversos agentes econômicos debatem sobre as direções das taxas de juros a fim de superar a situação. Isso fez com que o embate entre renda fixa e renda variável voltasse à tona, e relacionado a isso, algumas searas do mercado de capitais acabam chamando a atenção, como a indústria de fundos de investimento.
Além dos desafios de atração de recursos, o setor enfrenta, paralelamente, os riscos de sua utilização para fins escusos, como as práticas de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa (“LD/FTP”). Por essa razão, são impostos a gestores de recursos, bem como a outros agentes do mercado, deveres de prevenção (“PLD/FTP”), regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) em sua Resolução nº 50/2021. Outras referências acerca do tema são o Ofício Circular nº 4/2020 -CVM/SMI-SIN e o Guia Anbima de PLD/FTP.
O risco de LD/FTP relacionado às atividades desempenhadas pelo gestor concentra-se, sobretudo, na alocação de recursos em ativos de origem ilícita e no financiamento do terrorismo ou da proliferação de armas de destruição em massa com recursos levantados no mercado de capitais. Nas hipóteses referidas, é imprescindível que o gestor de recursos conduza as diligências necessárias à mitigação do risco, sobretudo no tocante aos ativos selecionados para composição das carteiras de valores mobiliários sob gestão e, em certa medida, aos investidores.
A variável a ser considerada em relação aos investidores diz respeito ao nível de contato que o gestor de recursos possui com eles. De acordo com o Art. 2º, V, da Resolução CVM nº 50/2021, o cliente caracteriza-se como o investidor com quem o sujeito obrigado possui “relacionamento comercial direto”. Os casos de contato do gestor com os cotistas de fundos de investimento limitam-se, todavia, aos de atuação do gestor na distribuição de cotas do fundo; de gestão de fundos exclusivos; e de obrigatoriedade de consulta aos cotistas sobre decisões de investimento.
Em tais hipóteses, o cliente é considerado o próprio investidor, devendo a gestora conduzir para ele diligências de conhecimento para apurar o respectivo perfil de risco, os chamados procedimentos de Know Your Customer (“KYC”). Nas demais hipóteses, o cliente é considerado o próprio fundo, devendo ser colhidas para este, segundo o Guia Anbima de PLD/FTP, as informações cadastrais previstas no anexo B da Resolução CVM nº 50/2021.
A respeito dos fundos de investimento considerados clientes, salienta-se a exceção prevista no Art. 13, § 2º, da Resolução, quanto ao dever de identificação do beneficiário final, a saber, a “pessoa natural ou pessoas naturais que, em conjunto, possuam, controlem ou influenciem significativamente, direta ou indiretamente, um cliente em nome do qual uma transação esteja sendo conduzida ou dela se beneficie”, quando, entre outros, o fundo não for exclusivo e houver a atribuição do desenvolvimento e da gestão da carteira de investimento a um gestor qualificado que deve ter plena discricionariedade nos termos do inciso II.
Para os fundos exclusivos, o contato entre gestor e cotista único de fundo exclusivo decorre da participação, comumente mais ativa, do cotista nas tomadas de decisão de investimento do veículo. Mesmo assim, e para evitar custos de observância excessivos, o Guia Anbima de PLD/FTP recomenda ao gestor que as informações relativas ao investidor único sejam colhidas junto ao respectivo distribuidor das cotas, por meio de intercâmbio de informações entre as instituições.
Lembra-se, ainda, que o gestor de recursos não se restringe, quanto ao objeto da atividade de gestão, apenas a fundos de investimento, podendo abranger carteiras administradas de valores mobiliários, no contexto de Multi Family Offices. Nesse cenário, o conceito de cliente continua a seguir a mesma regra geral de relacionamento comercial direto, sendo identificados como tais os investidores titulares dos recursos integrantes das carteiras administradas.
A diligência dos ativos a ser conduzida pelos gestores, independentemente do tipo de fundo, pode abranger o emissor do ativo, a contraparte na operação de aquisição, o intermediário ou distribuidor do ativo, seu escriturador, entre outros agentes envolvidos. Para o tipo de emissão, por exemplo, a identidade do emissor, quando mais ou menos regulados pela CVM, e a forma de negociação no mercado, se por oferta pública ou privada, influenciam o grau de exposição dos ativos ao risco de LD/FTP, possibilitando a simplificação ou demandando o reforço das diligências. No tocante aos agentes envolvidos, além do histórico da instituição e de pesquisas sobre eventuais envolvimentos em atividade ilícita, vale a pena verificar sua política de PLD/FTP a fim de avaliar o grau de maturidades dos respectivos controles.
Ainda, costumam apresentar risco aumentado de LD/FTP os fundos estruturados – tais como os Fundos de Investimento em Participações – FIP´s, Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios – FIDC´s e Fundos de Investimento Imobiliário – FII -, haja vista a complexidade das respectivas operações e, portanto, o menor grau de visibilidade em relação à origem, natureza ou propriedade dos ativos. O Ofício Circular nº 4/2020 -CVM/SMI-SIN entende que tais fundos apresentam possibilidades diversas de serem usados para fins de LD/FTP, se comparado com os fundos de varejo, visto que estes costumam investir em ativos envolvendo contrapartes mais consagradas no mercado de capitais e, por vezes, mais reguladas e fiscalizadas em matéria de PLD/FTP.
Para ativos dos fundos estruturados mencionados, o gestor deve tentar identificar os riscos de LD/FTP próprios de cada um eles, com foco na diligência das contrapartes e de partes envolvidas i) no processo de originação e na relação creditícia para FIDC´s; ii) no processo de compra e venda de imóveis e respectiva intermediação para FII´s; e na empresa objeto do investimento, incluindo não só a pessoa jurídica, mas também os seus principais sócios e administradores. No geral, é fator de atenção a coincidência de partes a ocuparem diferentes pontas da operação ou a desempenhem funções que dependam ou sofram ingerência umas das outras. Tais diligências podem ser realizadas pelo próprio gestor, ou mediante a contratação de prestador de serviços especializado.
Com a emissão de FIP´s em alta no primeiro trimestre de 2023, conforme recentemente noticiado pela CVM e a introdução de novos veículos de investimento no mercado de capitais, a exemplo do Fundo de Investimento na Cadeia Produtiva Agroindustrial – Fiagro, aumentam não só as possibilidades que o investidor tem de alocação de recursos e da economia de se financiar, mas também de seu mal uso por lavadores de dinheiro. Nesse contexto, os gestores de recursos ocupam posição fundamental para defesa do mercado de capitais, devendo conduzir diligências customizadas aos riscos enfrentados.