20 abril 2023
Mercado da arte e Financiamento do Terrorismo
Autoria: Zela
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Em fevereiro, o Grupo de Ação Financeira Internacional (FATF/GAFI) publicou o relatório “Money Laundering and Terrorist Financing in the Art and Antiquities Market”. O relatório fornece aplicabilidades às jurisdições que necessitam melhorar o seu conhecimento e compreensão dos riscos associados a este mercado, além de sugestões sobre a forma de mitigar as vulnerabilidades identificadas. Neste artigo, explicaremos como esse assunto pode ser abrangente e interligado a uma cadeia de acontecimentos e possibilidades muito maiores que imaginamos.
Segundo o relatório, o mercado da arte movimentou cerca de R$ 70 bilhões no ano de 2022. Os altos valores advêm das características próprias da indústria, como o fato de muitas obras de arte serem únicas e os seus preços subjetivos e voláteis.
A subjetividade e volatilidade do valor das peças atraem o interesse em utilizá-las como veículo para transferir ou ocultar receitas ilícitas. Outros métodos e técnicas semelhantes que podem ser utilizados são as falsas vendas, os falsos leilões, preços abaixo ou acima do normal, a utilização do dinheiro vivo como meio de pagamento, ou também a utilização de intermediários entre o dinheiro e seu beneficiário final.
Tais características têm atraído organizações criminosas e células terroristas, que se aproveitam das particularidades do mercado da arte para financiar as práticas criminosas. De acordo com o relatório, desde 2016 o GAFI tem notado como tais organizações, incluindo o ISIL, a Al-Qaeda e os seus afiliados têm historicamente angariado fundos através da escavação, roubo, e contrabando de obras de arte e, especialmente, de antiguidades.
No caso do ISIL (Estado Islâmico no Iraque e no Levante), por exemplo, a organização utiliza-se de dois métodos para gerar fundos através da exploração de obras de arte e do patrimônio cultural. No primeiro, o próprio ISIL patrocina a escavação, roubo e tráfico de obras de arte, bem como a sua venda a terceiros. O segundo envolve a imposição de um “tributo” de 20% aos não membros da organização para a escavação, roubo e contrabando de peças nos territórios que controla. Isso pode significar que existem oportunidades para as organizações terroristas tirarem proveito do território que controlam para angariar fundos através da escavação ilegal e da venda de antiguidades.
O relatório descreve também os métodos típicos de lavagem de dinheiro no setor, como a ocultação ou transferência de receitas ilícitas, ocultação da identidade do verdadeiro comprador, artigos de preço inferior ou superior e a utilização de vendas falsas ou leilões falsos.
Com isso, é possível notar que existem muitos desafios para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo nos mercados de arte e antiguidades. De acordo com o GAFI, os desafios podem ser divididos em duas categorias distintas: a primeira diz respeito às vulnerabilidades relacionadas com os tipos de objeto e a natureza dos mercados, e a segunda, aos desafios relacionados à investigação. Com relação ao primeiro ponto, o GAFI elenca que, no mercado primário, ou seja, na primeira venda, as obras de arte são geralmente vendidas pelos próprios artistas ou seus representantes, o que pode reduzir o risco de LD/FTP e outros tipos de crimes, pelo menos em certa medida. A ausência de artistas e seus representantes na transação torna o mercado secundário de arte mais vulnerável, por conta da utilização de intermediários no processo de compra e venda, que agem, em certos casos, no sentido de ocultar a identidade do vendedor ou comprador final.
O relatório ainda cita que a facilidade de transporte de algumas obras pode também permitir aos criminosos movê-los através de rotas utilizadas comumente para contrabandear artigos, como redes estabelecidas de tráfico de drogas. Entretanto, não deixa de ressaltar que existem também fatores que podem mitigar esses riscos. Um exemplo são os artigos frágeis ou de grande dimensão, ou que requerem armazenamento especial. Tais artefatos podem exigir a utilização de peritos ou profissionais externos para verificar a autenticidade de um objeto e administrar a sua venda ou compra, o que pode aumentar o risco de que um profissional contratado constate e revele a natureza ilícita da transação.
Outra vulnerabilidade é o fato de a falsificação de obras de arte ser um dos crimes mais prevalecentes no mercado, devido à complexidade da verificação da autenticidade dos objetos. Para além das vendas, as falsificações também podem ser utilizadas para fraudes no mercado financeiro, podendo ser apresentadas como garantias para empréstimos.
Por fim, a última vulnerabilidade mencionada é o roubo de peças de proprietários privados, como museus, galerias, ou outras instituições, mais recorrente em zonas de conflito ou países com uma alta densidade de sítios arqueológicos.
Com relação ao segundo conjunto de desafios, que compreendem a falta de priorização das investigações, os recursos limitados, falta de sensibilização e especialização por parte das autoridades operacionais, além das dificuldades nas investigações transfronteiriças, o relatório informa que alguns países estabeleceram unidades especializadas e programas de formação investigativa centrados na arte, antiguidades ou mercados de obras de arte.
O relatório salienta, ainda, a importância de identificar e localizar rapidamente obras de arte envolvidas na lavagem de dinheiro e no financiamento do terrorismo, além de encorajar a cooperação com os participantes no mercado, através de formação, orientação e códigos de ética.
O relatório está disponível no link: https://www.fatf-gafi.org/en/publications/Methodsandtrends/Money-Laundering-Terrorist-Financing-Art-Antiquities-Market.html